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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

GENTE DA NOSSA TERRA FAZENDO HISTÓRIA

MEMÓRIA ORAL (99)

CUIDAR DE IDOSOS, A HISTÓRIA DE QUEM NISSO ENCONTROU A FELICIDADE
A expectativa de vida do brasileiro aumentou e com ela o número de idosos é algo bem mais do que evidente no dia-a-dia. Eles estão por aí, vivendo mais e com isso abrindo novas possibilidades em vários campos de atuação. Um deles é do mercado de trabalho e de pessoas atuando profissionalmente junto a eles. Dentro da Enfermagem o trabalho com idosos é algo que nunca deixou de ser feito, reconhecido por pacientes e, principalmente, por parentes de quem necessita desses serviços. Um desses profissionais é Leandro Perri, 31 anos, enfermeiro com formação superior e atuando no mercado desde os seus 17 anos. Sua história de vida, uma demonstração de que com vigor e despreendimento pessoal é possível atingir a objetivos considerados intransponíveis é contada aqui.

Leandro é de Tapiratiba, uma pequena cidade paulista, quase divisa com o sul mineiro, com pouco mais de 15 mil habitantes. Dentro de uma família humilde, com mais cinco irmãos erenda familiar contada para tudo, seu futuro era uma incerteza a olhos vistos. Seu destino foi selado por uma professora, dessas a não serem esquecidas nunca mais. "Um dia fui junto de um grupo de jovens de uma igreja visitar um asilo. Bateu uma identificação pela situação deles. Tinha uma professora de Português, que acabou fazendo contato com o diretor da instituição e no dia seguinte já estava estagiando por lá. Aquilo foi uma descoberta para mim. Virei atendente de enfermagem do dia para noite. Não parei mais. Foram um ano e sete meses lá, depois iniciei o trabalho de cuidados domiciliares, tudo praticamente sózinho. Nessa época já estava sendo abolido a função de atendente e querendo continuar na área teria que pensar em estudar. Por lá sempre tive livre acesso ao hospital e estagiei com ajuda da irmã Graça, que me ajudou bastante no meu crescimento profissional", começa seu relato.

A história é contagiante e cada detalhe leva a um outro ainda mais surpreendente. "Decidi fazer vestibular em Bauru no curso de Enfermagem. Não possuia condição financeira e quando fui aprovado no vestibular, decidi não desistir, mas tinha dinheiro para me manter somente por no máximo três meses. As irmãs de lá conseguiram que me hospedasse durante o vestibular no Asilo da Vila Vicentina daqui. Na noite do primeiro dia, fui vendo as pessoas que necessitavam de acompanhamento, de atendimento e quase não dormi a noite toda. Ajudei muita gente e fiz um ótimo vestibular, tanto que acabei passando. Para minha sorte, o diretor do Asilo, na época o sr Jandiro Marques acreditou em mim e me fez uma proposta. Fui convidado para atuar com eles e o pagamento seria na forma da morada e das refeições por lá. Aceitei, pois com a grana que tinha, de três meses já dava para permanecer na cidade por seis", conta um vribrante Leandro, entusiasmado até no modo de relatar as passagens de sua vida.

Quando começa a falar, durante o atendimento, feito num apartamento no Hospital da Unimed ao seu cliente mais antigo, hoje amigo de toda família, Laerte Silveira Camargo, 82 anos, bancário aposentado e dono de uma pequena propriedade em Piratininga, emocionante observar as reações deste, com um sorriso franco e aberto diante da forma como exerce suas atividades. Laerte necessita de cuidados diários completos e após dois anos de convivência com Leandro, passou a ser considerado uma espécie de membro da família. "Tem livre acesso à nossa casa, todos os medicamentos são ministrados por ele e quando necessita faz até uso do carro da família para levar e trazer meu pai para algum lugar", diz Luiz Augusto Silveira Camargo, 53 anos, filho de Laerte. A técnica foi conseguida ao longo dos anos e nela o paciente não é transportado de um lado para outro por seus fortes braços. Podendo é estimulado a fazer tudo, desde o levantar ao andar e tomar banho, tudo com um acompanhamento de perto e recheado de palavras de incentivo e apoio.

No mesmo dia, Leandro levou Laerte e outro hóspede do mesmo apartamento, Heleno Cardoso de Aquino, 82 anos a fazerem sua refeição no jardim do hospital. "Causou certa comoção, mas levei meu pai junto, ambos sentados em cadeiras de rodas e fazendo a refeição debaixo de árvores. Ambos estavam muito contentes", conta Helena Perazzi de Aquino, filha de Heleno. "O jardim interno tem essa função, mas é pouco utilizado. Muitos nem sabem que podem fazer uso dele e retirar eles do ambiente do quarto hospital, desde que possam fazer isso é algo que faço com frequência", diz Leandro. Coincidentemente num outro apartamento, na mesma ala, Leandro cuida de Magdalena Jóia Versatti, dessa vez com a ajuda da também enfermeira Fabiana Amadeu, 22 anos, formada pouco depois dele. "Não estava mais dando conta de atuar sózinho e ela chega para me ajudar. Tem a mesma linha de pensamento e atuação minha e estamos nos dando maravilhosamente bem, atuando na linha mais residencial, uma vertente mais individualizada da Enfermagem, com atuação mais na casa da pessoa e nos hospitais", conta.

Não deixo Leandro falar muito do presente e o faço voltar para sua história pessoal. "No Asilo dos Vicentinos trabalhava praticamente das 6 às 18h e depois ia para o curso noturno ali perto. Demorei oito anos para concluir o curso, feito dentro de minhas possibilidades. Estagiei também na clínica da Universidade e isso abatia no valor das mensalidades. Para ter dinheiro extra, fazia serviços bonificados, trabalhos externos com o pessoal indicado no curso. Por cinco morei e trabalhei no Asilo, fiz de lá a extensão de minha família. Conto até uma história engraçada com meus colegas. Eles chegando o final de semana me perguntavam se ia para a Vila. Dizia que sim, mas eu ia para a Vila Vicentina e eles para a Vila Madalena, uma casa noturna. Nunca nos encontrávamos", relata com um sorriso de quem teve que abdicar de muita coisa para chegar onde chegou.

"Depois fui também contratado como funcionário do Asilo e assim pude realmente cursar a universidade. Fiquei dois anos longe de casa, com dedicação total aos estudos e ao trabalho. No quinto ano acabei desligado do Asilo, pois com a mudança da direção sai. Fui morar na edícula de uma residência na Vila Coralina, onde estou até hoje. Comecei aí a trabalhar com Home Care, que é o serviço de atendimento residencial ao paciente, no meu caso, praticamente de idosos. O dinheiro que entrava dava para pagar minhas despesas quase exatas. Não sobrava nada e daí tenho outra história. No quarteirão onde moro tem um senhor de idade, sem condições de me pagar, mas decidi ajudá-lo assim mesmo. Dava banhos e o atendia como aos outros. Num certo mês estava precisando muito de R$ 350 reais para quitar contas e ao chegar na casa dele, sua esposa me entrega um envelope. Diz que se não aceitasse, não teria mais coragem de me manter vindo ali. Ao abri-lo a surpresa, ali estavam exatos R$ 350 reais. Ele nada sabia do que precisava, ninguém sabia", conta emocionado.

Sua rotina de trabalho é a mesma de segunda a sábado. Acorda cedo, atende um paciente de banho e permanece boa parte da manhã e da tarde na casa do seu Laerte, depois ainda encontra tempo para outro paciente e nas horas vagas, para espairecer, algo pessoal, aulas de boxe na Planet Fitness. Pelo valor cobrado percebe-se que Leandro não ficará rico, longe disso, mas faz o que gosta e fala disso: "Minha ambição não é no campo financeiro. Busco cada vez mais um maior contato com os pacientes, amplio conhecimentos profissionais e pessoais. Gosto muito do que faço, esse trabalho individualizado onde procuro nao aumentar a expectativa da doença. Tive outras oportunidades profissionais, mas diferente dos a preferirem uma instituição, talvez por causa da segurança, fujo disso. Sigo regras, mas quebro muitas delas, algo muito mais difícil em empresas. Veja o caso do almoço no jardim, quando vejo a prescrição de uma dieta pastosa no leito, por que não fazê-lo num lugar mais agradável?", conclui Leandro com uma pergunta.

Depois desse tempo todo atuando sózinho está querendo ampliar um pouco o seu leque de opções profissionais e é exatamente aí que adentra o gramado a amiga e parceira Fabiana, que já atua em algumas iniciativas ao seu lado. Perebe-se que pela experiência já vivida, de dedicação aos idosos, disso não abre mão, usando como uma espécie de lema a ser seguido: "Foi uma identificação natural, vivenciada nos anos no asilo e hoje, marcada pelos extremos, no atendimento nas maternidades e aos idosos. Nunca precisei divulgar nada, tudo o que consegui foi por indicação e vivo ao completar 31 anos algo novo, por ter encontrado alguém que pensa e age como mim, com a mesma sensibilidade e linha de pensamento. Certa vez, num dos retornos a casa dos meus pais, ele vendo quanto eu pagava na universidade, me questionou se aquele valor era por semestre. Disse-lhe que era por mês e observar sua fisionomia, querendo ajudar, mas engolindo em seco, sem nada poder fazer, foi um dos maiores incentivos que recebi na vida. Eu venci, cara!". E abre um largo sorrriso, desses a serem vistos como uma pessoa realmente feliz, fazendo o que gosta e tendo encontrado um sentido dignificante para sua vida.
OBS.: Leandro completa 31 anos hoje, 11/02 e esse texto é meu presente de aniversário a ele. Informo também que o outro paciente citado, Heleno, é meu pai, internado há oito dias no hospital da Unimed de Bauru.